Encantar

Em inglês há uma expressão que amo, que é “The sense of Wonder” ou em português, ainda que tenha alguma relutância em encontrar a tradução certa, diria algo como… o sentido do maravilhar-se, do encantar-se, do deslumbrar-se… a arte do deslumbramento.

Acho que hoje em dia se vive a vida de forma muito cinzenta, muito escura. É tudo muito pesado, muito denso. Muito carrancudo. É tudo muito sério. Não estou a dizer que se devem escamotear as emoções, de todo. Se nos sentimos cinzentos, é o momento de senti-lo, abraçá-lo, aceitá-lo, e vivência-lo. Mas não de o alimentar, nem de o convidar para morar no nosso coração permanentemente, por isso é tão importante observarmos em nós como interpretamos as situações “menos boas” que vivemos, e estarmos muito atent@s aquilo que deixamos verdadeiramente entrar na nossa vida.

O grande problema do cinzento é quando ele toma conta não só da face, fazendo-se transportar em semblantes fechados, mas também se apodera do corpo, que começa a ficar tenso e encolhido, e pior…. se dá ao luxo de invadir pensamentos diários e infiltrar nas emoções profundas,… Ficamos num estado de dormência… Nada nos alegra, nada nos motiva, nada nos faz esboçar sorrisos, muito menos soltar gargalhadas. E quando mais praticamos o cinzento, mais ele se entranha e ganha espaço nas nossas vidas, se tornando parte de nós.

Para além disso, parece que hoje em dia o Tenso, Sisudo, de Rosto fechado ganhou estatuto de Seriedade, Responsabilidade, Poder. E o Alegre, Risonho e Descontraído, é visto como Irresponsável, digno de pouca Confiança ou até “Tolinho”…  Há uns tempos atrás procurava no Google indicações de como fazer boas fotos para colocar a minha imagem online e deparei-me com dicas completamente absurdas sobre como se deve tirar uma foto de trabalho… Acreditam que “não mostrar muito os dentes” era um dos indicadores para evitar perder a seriedade no seu trabalho… bem… vê-se pela minha foto de inicio do site como levei “a sério” esse indicador, certo ? 

Assustadores estes preconceitos! Estas formatações do que é ou não digno de confiança hoje em dia… Com tanto espartilho mental, é normal que as Crianças também fiquem acinzentadas e comecem a perder o gosto de viver, o entusiasmo e a alegria natural que transportam na sua essência. São assustadores os números de problemas de Depressão na Infância, hoje em dia !!!

E foi por ter vivenciado tão de perto essa escuridão, e por me ter assustado tanto com o cinzento interno que se tinha instalado e queria viver o resto da vida comigo, há uns anos atrás, que trabalhei bastante para mudar a forma como estava a interpretar a realidade que vivia. Comecei por mudar devagarinho de dentro para fora; a nutrir os meus pensamentos, as minhas escolhas, as minhas atitudes, com mais luz, cor, leveza e harmonia. A pouco e pouco as cores foram ganhando de novo território, e o meu sorriso natural, que já estava completamente tomado pelo cinzento, foi emergindo à superfície. Depois mudei também muitas coisas fora; modifiquei aquilo que já não queria que fizesse mais parte da minha vida.

Para diluir essa cor escura interna, fui deixando entrar a luz nas pequenas coisas, aquelas com as quais as crianças pequenas se deslumbram… Comecei por dar atenção às flores coloridas, em vez de focar a minha atenção nas pedras e nos buracos do caminho… Aprendi a Valorizar o calorzinho do Sol que toca na pele, o aroma a café pela manhã, um arco-íris que surge no horizonte, a cama quentinha, o cheiro da terra molhada depois da chuva,  o abraço forte de alguém especial, uma comida saborosa, uma teia com gotas de orvalho, uma conversa com um amigo, uma joaninha que te pousa inesperadamente no casaco, …

Pode não parecer mas é altamente transformador, e garanto que vale a pena! Por isso é importantíssimo valorizamos as coisas pequenas, diárias, rotineiras da vida e ao mesmo tempo sermos capazes de vermos e apreciarmos a magia que as mesmas transportam na sua verdadeira mundanidade.